É assim que jogamos até uma certa idade. Depois vêm as dúvidas, os traumas, os medos. O tabuleiro é o mesmo, mas o jogo vai ganhando em densidade e complexidade, o amor deixa de ser um fruto de um processo de conquista e sedução e passa a um nível mais elaborado. Cada peça tem um peso distinto, um valor diferente. Cada rei – e cada rainha – aprende a escudar-se no seu séquito; as torres vigiam, os cavalos lutam, os bispos conspiram, os peões partem em sacrifício.
À medida que amadurecemos, aprendemos a olhar para o amor com mais reservas. Nem sempre conseguimos jogar com mais ponderação, embora ganhemos um maior nível de consciência; uma rainha deve saber que não é uma dama igual a tantas outras no tabuleiro. Deve por isso resguardar-se, estudando cada movimento com calma, sangue-frio e algum sentido de estratégia.
Há mulheres exímias em jogadas de mestre, que conhecem o poder do silêncio, a eficácia do mistério, o alcance da incerteza, que desenvolveram a capacidade de deixar o parceiro sempre um bocadinho na dúvida, como se entre os dois existisse uma corda bamba que ele é obrigado a atravessar todos os dias. São mulheres estrategistas e cautelosas – por natureza ou por treino – que estudam as qualidades e os defeitos do seu pretendente como um examinador rigoroso e elaboram a lista de prós e contras que as espera, para depois decidirem se vale ou não vale a pena deixar a rainha à solta no tabuleiro. Falta-lhes muitas vezes uma grande paixão, alguém por quem já perderam a cabeça, que as fez pensar que perderam tudo.
Quem perde tudo não tem outro remédio senão recomeçar o jogo. Tabuleiro arrumado, cada peça no seu sítio; peões para a primeira linha, cavalos, bispos e torres na linha de protecção até que o rei certo se desenhe no horizonte.
A ironia que atravessa todos os destinos gosta de pôr o rei do outro lado do tabuleiro. Ou então o rei apaixona-se pela rainha alheia e sonha em trocar a sua pela do inimigo.
Bispos, cavalos e torres pouco podem fazer para travar vontades soberanas; um rei reina e uma rainha governa. O rei pode avançar e recuar em todas as direcções e a rainha também, ainda com maior amplitude.
O xadrez é um jogo que também fascina aqueles que não o conseguem jogar. Depois de meia dúzia de jogadas, é normal um jogador desavisado ou preguiçoso partir para a luta como se o tabuleiro estivesse repleto de damas. Há quem não tenha paciência para alimentar estratagemas, quem goste de ganhar e saiba perder, mas que não saiba perder tempo.
No entanto, um grande jogador nunca se precipita; sabe que uma coisa é saber jogar e outra é mexer as peças, e por isso espera o tempo que for preciso até que a rainha olhe para ele. Até ao dia em que ela o escolhe e salta do tabuleiro.
margarida rebelo pinto in "onde reside o amor"
12 comentários:
tenho este livro dela e adoro-o *
MRP, é qualquer coisa como fantástica *.*
lindo :)
ó, muito obrigada querida sara (:
por acaso gosto mesmo muito dela *
- é mesmo isso! parece que ninguém percebe aquilo por que passamos. vamos ultrapassar, sim (:
é complicado. mas tenta..
minha sara, morro de saudades dos teus textos! ainda bem que voltaste :)
Eu até nem sou muito adepta desta escritora, mas tenho que dar o braço a torcer. Este excerto diz tudo :) Muito bem mesmo!
Obrigada :')
A vida é um tabuleiro de xadrez, resta-nos escolher ser o peão ou o rei do nosso jogo
beijinhos
Um máximo esta senhora :D
Gostei do blog (: *
Texto muito bem elaborado ou não fosse dessa grande escritora
Gostei
sigo
obrigada querida :)
estou a seguir-te!
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